domingo, 28 de setembro de 2008

Triste Fim de Policarpo Quaresma: O Brasil de ontem, hoje e (provavelmente) sempre


Triste Fim de Policarpo Quaresma é daquelas obras que transcendem o período em que foram escritas. Podemos até considerá-la datada pelos costumes da época em que a narrativa ocorre (fim do século XIX), mas uma coisa não se pode negar: é a parábola definitiva da política brasileira, seja em qual período da História estivermos.

Lima Barreto constrói uma obra extremamente ácida, que não poupa as idiossincrasias da vida. Mas a base está na crítica à política e aos órgãos que governam o país. Usando um estilo de denúncia social semelhante ao de Machado de Assis, o livro de Barreto, escrito em 1911, consegue ser irônico e profundamente reflexivo, sem nunca apelar para velhos clichês.

Policarpo Quaresma é um homem que sonha ver sua pátria livre de estrangeirismos, cultivando seus próprios valores, dando valor a seu próprio povo; para ele, o Brasil é o país mais rico do mundo, seja pela vasta cultura ou pela terra abençoada para a agricultura. O protagonista é uma espécie de metáfora que representa a eterna luta do brasileiro para se livrar das amarras impostas ao seu país durante séculos de História; esse mesmo brasileiro que, como disse Nelson Rodrigues décadas mais tarde, sempre sofreu da “síndrome do vira-lata”. Aqui, vemos como Lima Barreto se antecipa à estética modernista da valorização cultural do Brasil cerca de uma década antes do movimento atingir seu auge (Semana de Arte Moderna, em 1922).

A idéia de patriotismo defendida por Policarpo é a de cultivar amor pela nação como se esta fosse um ser palpável. Assim, seria possível estudar as qualidades de seu país para apontar a forma mais viável de progresso. O que o personagem propõe difere muito do pensamento de patriota que o mundo tem atualmente: pessoas prontas para morrer pelo país, impondo sua cultura a outros, como forma de defesa contra possíveis “violadores” da moral de uma nação (vide a política norte-americana nos últimos anos).

A crítica dos valores da sociedade da época está presente em quase todas as páginas do livro. O racismo latente de uma república que aboliu há pouco tempo a escravidão; a aversão aos pobres por membros da alta classe (composta esta por cargos ou funções reconhecidas como “nobres”: médicos, tenentes, funcionários públicos...); o individualismo que levava as pessoas a pensar somente no próprio sucesso, não se importando com os outros; enfim está tudo lá. Agora façamos um momento de reflexão: a sociedade do fim do séc.XIX não sofreu grandes alterações mais de um século depois. Vários fatores criticados por Barreto ainda continuam arraigados na forma brasileira de levar a vida. O funcionarismo público continua burocrata e lento; as facilidades são encontradas apenas por aqueles que mantém o status de seu cargo, sejam políticos, militares ou apenas famosos; os verdadeiros trabalhadores do país ainda são tratados com descaso pelos governantes. Lima Barreto sentiria vergonha ao ver o quanto deixamos de evoluir em mais de cem anos.

Ainda há espaço para satirizar aqueles que buscam casamentos em troca de uma posição melhor na sociedade (qualquer semelhança com a atualidade é mera coincidência...), e o “militarismo de gabinete”, mas a obra trata mesmo é de política, traçando um quadro perfeito do que parece ser o estado constante da política brasileira.

A construção da imagem, que transforma os governantes em heróis, semideuses idolatrados pelo povo, já existia na época. O que vemos hoje, ainda mais em época de eleições, com políticos prometendo tudo o que a população quer ouvir, é recorrente na história do Brasil. A luta para chegar ao governo é ferrenha, mas parece que o amor empregado pelos homens que decidem os rumos do país não é pelo trabalho da administração em si, mas sim pelo poder que a eles são conferidos. A partir desta prerrogativa, Barreto traça um perfil impiedoso de Floriano Peixoto, presidente à época. Preguiçoso e vulgar, tirano e indolente, o marechal fora desenhado como a imagem histórica do “bom” governante.

A desilusão da população com os políticos já vêm daquela época. Policarpo, que usa todos seus esforços para ajudar a República, vê que nada adianta suar, trabalhar, ou morrer pela pátria. E é esta a sensação que paira sobre o país até hoje (principalmente hoje). A cada novo escândalo, a cada nova CPI instaurada e a cada final de processo sem que os culpados sejam punidos, nos perguntamos: de novo? Até quando o país ficará à mercê destes tipos que vêm no comando da nação há tanto tempo? Quaresma fez esta pergunta há um século e ainda não obteve resposta.

O final amargo e pessimista contrasta com o último parágrafo, onde a afilhada de Policarpo confere as inúmeras mudanças que ocorreram no país desde os seus primórdios, mostrando que o progresso não é mera utopia e que dias melhores virão. Afinal, mudanças são inerentes no processo de desenvolvimento de uma nação. Nós, brasileiros, ainda esperamos esta mudança maior.

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