domingo, 26 de outubro de 2008

Taxi Driver - O Homem Solitário de Deus


S

Somente a partir dos anos 70 o cinema poderia ver um herói como Travis Bickle, o protagonista de Taxi Driver (1976, EUA), filme marco na carreira de Martin Scorsese e Robert DeNiro. Uma espécie de revolução passou por Hollywood no fim da década anterior. Os filmes se tornaram literalmente sujos. Mas não no sentido pejorativo do termo. Uma geração de jovens diretores - Polanski, Coppola, o próprio Scorsese... - que estava cansada das mesmas coisas injetou um nível de realidade nunca antes visto no cinema. Temas antes renegados se tornaram a principal forma de expressão cinematográfica: a pobreza das ruas, a violência crua, os desajustados, ou seja, a vida como ela é. O nível psicológico foi levado ao extremo e Taxi Driver sintetiza esta fase.

O filme é o tratado definitivo sobre a solidão e as marcas profundas que este sentimento deixa em uma pessoa. Acompanhamos Travis Bickle, um veterano da Guerra do Vietnã, insone, que perambula com seu táxi pelas ruas barra pesada de Nova York durante as madrugadas. Extremamente isolado da realidade que o cerca, Travis mantém o mínimo de contato com as pessoas que convive, mas não porque goste disso. Ele tenta, mas não consegue se sociabilizar com as coisas ao seu redor. A raiva e a desilusão que sente se misturam ao asco com o que encontra em seus passeios e nos passageiros que conduz pela cidade. Prostitutas, cafetões, bêbados, traficantes, homicidas: a curiosa fauna que o motorista vê todos os dias o faz perder a fé na sociedade. Ele sonha com o dia em que as ruas serão limpas.

Bickle é, sem dúvida, um dos mais importantes e complexos personagens da história do cinema, e os principais responsáveis por isso são o roteirista Paul Schrader, que escreveu a história baseado em acontecimentos reais de sua vida, e, principalmente, Robert DeNiro. Sua atuação é nada menos do que grandiosa e a partir daqui se tornou um verdadeiro mito entre os atores. Perfeccionista, chegou a guiar táxis reais pelas noites e estudar o comportamento de pessoas com problemas mentais. DeNiro faz com que acreditamos na dor de Travis, enquanto que o roteiro de Schrader mergulha o espectador na mente doentia do personagem. Os monólogos proferidos pelo taxista são brilhantes; em cada frase, é possível enxergar um homem ferido, amargurado, que não tem ninguém para pedir ajuda, que apenas quer ser alguém como as outras pessoas.

Apesar de o filme ser todo de Travis, os coadjuvantes também oferecem interpretações marcantes: Cybill Shepherd, como Betsy, a partidária de um candidato à presidência que rejeita Travis; Harvey Keitel, como Sport, um cafetão que gerencia jovens; e principalmente, Jodie Foster, então com 12 anos, que vive a prostituta Iris. Esta possui importância fundamental na história, pois a vida que leva é tudo o que o taxista mais abomina, fazendo o próprio começar uma jornada para salvar a garota.

Toda a parte técnica do filme é impressionante. A fotografia de Michael Chapman nos dá uma Nova York que parece mergulhada em uma constante atmosfera densa, iluminada com néons de prostíbulos, botecos e cinemas pornô; uma visão decadente da Big Apple a partir da visão de Bickle – repare na fumaça que sai dos respiradores de esgoto e nas sombras opressoras que encharcam as calçadas. Seu táxi amarelo é a embarcação que o faz navegar por este inferno.

Bernard Herrmann, parceiro de Hitchcock em edição musical por longa data, criou, em seu último trabalho, uma trilha sonora perturbadora. Combinando momentos suaves de jazz com seqüências tensas e nervosas, a música é um personagem vivo dentro do filme e representa mais um expressivo fator que delineia a complexa personalidade do taxista.

E claro, como nos principais longas que fez, o trabalho de Martin Scorsese se assemelha ao de um maestro; ele é dos diretores que sabem onde encaixar todas as intrincadas peças que fazem um filme funcionar. A força de Taxi Driver, em grande parte, se encontra no vigor de Martin para filmar histórias urbanas, violentas, que possuem uma grande cidade como pano de fundo e um anti-herói em busca de sua redenção. O diretor usou técnicas que mais tarde se tornariam referência em outras obras – como o uso da câmera lenta para representar o ponto de vista de um personagem ou narrações em off do próprio protagonista comentando seu estado de espírito. Mas, um dos grandes méritos de Scorsese é o de ser um crítico social que não precisa apelar para o senso comum. O final do filme mostra a quão hipócrita é o sistema em que vivemos (lembre-se que o longa é de 1976, mas há coisas que não mudam no ser humano...): a mesma sociedade que oprime e marginaliza alguém, mais tarde o eleva como exemplo a ser seguido. Maior contradição não existe.

Taxi Driver é um clássico vigoroso e honesto – e como é bom ver um filme assim. Cenas que ainda marcam o imaginário cinematográfico, como Travis falando com o espelho, ou ainda o encontro com o candidato à presidência, fazem deste um dos importantes divisores de água da Sétima Arte. Muitos podem reclamar da explosão de violência do terceiro ato, mas ela é extremamente justificável – esta que é uma das seqüências mais violentas de Scorsese, um verdadeiro mestre em mostrar os sentimentos primitivos do Homem.

Nada está no filme por acaso. Em poucas oportunidades, entramos na mente de um personagem como neste filme. A dor de Travis em não ser compreendido é a dor de inúmeras pessoas. O que consola é que, no final, independente da forma como conseguiu, ele experimenta um pouco de paz.

sábado, 4 de outubro de 2008

A Doce Vida - Clássico atemporal de Fellini


Cineastas como Federico Fellini normalmente são mal interpretados. Por trás da lentidão das histórias contadas, das alegorias, da possível incompreensão ao que se vê na tela, esconde-se uma forte denúncia aos valores da sociedade moderna. Estes valores, que na década de 60 já eram fortes, pouco mudaram quase meio século depois.

A Doce Vida (La Dolce Vita, Itália, 1960), talvez a obra máxima do italiano, engana muita gente. Aparentemente um filme ingênuo sobre a vida das celebridades de Roma, a película é uma crítica fortíssima a todo o vazio e à frivolidade da burguesia. E o melhor: Fellini nos mostra isso de maneira sutil, sem escancarar o óbvio, o que o faz ser ainda mais feroz.

A história não possui um fio condutor. Acompanhamos alguns dias na vida de Marcello, jornalista que escreve para as colunas sociais e perambula pelas noites acompanhando a alta classe. O protagonista, interpretado pelo ator fetiche de Fellini, Marcelo Mastroianni, sabe que algo está errado com o que vê todas as noites. Festas suntuosas, jantares caríssimos, mulheres ardentes, não escondem o quão pobre e hedonista é a vida dos ricos. Apesar de viver tão próximo a um mundo de sonho e luxúria - ele dorme com belas mulheres, conhece as mais influentes pessoas – Marcello não entende o que se passa ao seu redor. De forma inconsciente, a angústia passa a ser um fator freqüente em sua vida.

A forma como Fellini mostra esta burguesia “acéfala” é a maior marca de sua filmografia. De forma alegórica, que muitas vezes beira o surreal, ele brinca com o espectador e o sentimento que é despertado em nós é o mesmo do protagonista: não entendemos o que se passa, sabemos que algo está fora de controle, mas não conseguimos verbalizá-lo. Os diálogos são tão irreais quanto as imagens e só reforçam a futilidade das ações que vemos na tela.

Um dos poucos fatores que aliviam Marcello é a amizade com Steiner (Alain Cony). Este é uma espécie de ídolo para o jornalista: rico, inteligente, uma espécie de filósofo sobre a vida, sabe se manter distante de toda a ilusão que a riqueza pode provocar. Quando algo trágico ocorre ao empresário, somos levados a um final que não esperamos. Uma tour-de-force pesada e melancólica, que, de certa forma destrói toda a esperança que possa existir para a sociedade retratada – que no fundo, é a nossa sociedade. Se os lúcidos abrem mão de sua lucidez, o que mais resta a fazer? Somente aproveitar a doce vida.

Apesar de possuir inúmeras passagens marcantes, como o banho na Fontana di Trevi, duas cenas resumem a obra: o plano de abertura e de fechamento do filme. Marcello tenta falar com uma mulher, mas não consegue ser ouvido, muito menos ouvi-la. Em um mundo onde não conseguimos nos comunicar, onde nossas atitudes são motivadas em sua maior parte pelo comodismo, o melhor talvez seja se entregar a algo que não conseguimos mudar.

domingo, 28 de setembro de 2008

Mas, afinal, o que é o cinema?

"O cinema não deveria entrar no museu nem integrar instalações. O museu, como o teatro, é a sociedade burguesa. O cinema é uma arte popular, ele exige a sala escura, na qual podemos nos esconder num canto, onde estamos protegidos pela escuridão, onde não há entreato, nem coquetel, nem casacos de pele nem olhares - salvo aqueles que circulam entre a tela e os espectadores.

E, quando o filme termina, e as luzes ainda não estão acesas, nós nos levantamos e vamos embora."


Eugenio Renzi

Triste Fim de Policarpo Quaresma: O Brasil de ontem, hoje e (provavelmente) sempre


Triste Fim de Policarpo Quaresma é daquelas obras que transcendem o período em que foram escritas. Podemos até considerá-la datada pelos costumes da época em que a narrativa ocorre (fim do século XIX), mas uma coisa não se pode negar: é a parábola definitiva da política brasileira, seja em qual período da História estivermos.

Lima Barreto constrói uma obra extremamente ácida, que não poupa as idiossincrasias da vida. Mas a base está na crítica à política e aos órgãos que governam o país. Usando um estilo de denúncia social semelhante ao de Machado de Assis, o livro de Barreto, escrito em 1911, consegue ser irônico e profundamente reflexivo, sem nunca apelar para velhos clichês.

Policarpo Quaresma é um homem que sonha ver sua pátria livre de estrangeirismos, cultivando seus próprios valores, dando valor a seu próprio povo; para ele, o Brasil é o país mais rico do mundo, seja pela vasta cultura ou pela terra abençoada para a agricultura. O protagonista é uma espécie de metáfora que representa a eterna luta do brasileiro para se livrar das amarras impostas ao seu país durante séculos de História; esse mesmo brasileiro que, como disse Nelson Rodrigues décadas mais tarde, sempre sofreu da “síndrome do vira-lata”. Aqui, vemos como Lima Barreto se antecipa à estética modernista da valorização cultural do Brasil cerca de uma década antes do movimento atingir seu auge (Semana de Arte Moderna, em 1922).

A idéia de patriotismo defendida por Policarpo é a de cultivar amor pela nação como se esta fosse um ser palpável. Assim, seria possível estudar as qualidades de seu país para apontar a forma mais viável de progresso. O que o personagem propõe difere muito do pensamento de patriota que o mundo tem atualmente: pessoas prontas para morrer pelo país, impondo sua cultura a outros, como forma de defesa contra possíveis “violadores” da moral de uma nação (vide a política norte-americana nos últimos anos).

A crítica dos valores da sociedade da época está presente em quase todas as páginas do livro. O racismo latente de uma república que aboliu há pouco tempo a escravidão; a aversão aos pobres por membros da alta classe (composta esta por cargos ou funções reconhecidas como “nobres”: médicos, tenentes, funcionários públicos...); o individualismo que levava as pessoas a pensar somente no próprio sucesso, não se importando com os outros; enfim está tudo lá. Agora façamos um momento de reflexão: a sociedade do fim do séc.XIX não sofreu grandes alterações mais de um século depois. Vários fatores criticados por Barreto ainda continuam arraigados na forma brasileira de levar a vida. O funcionarismo público continua burocrata e lento; as facilidades são encontradas apenas por aqueles que mantém o status de seu cargo, sejam políticos, militares ou apenas famosos; os verdadeiros trabalhadores do país ainda são tratados com descaso pelos governantes. Lima Barreto sentiria vergonha ao ver o quanto deixamos de evoluir em mais de cem anos.

Ainda há espaço para satirizar aqueles que buscam casamentos em troca de uma posição melhor na sociedade (qualquer semelhança com a atualidade é mera coincidência...), e o “militarismo de gabinete”, mas a obra trata mesmo é de política, traçando um quadro perfeito do que parece ser o estado constante da política brasileira.

A construção da imagem, que transforma os governantes em heróis, semideuses idolatrados pelo povo, já existia na época. O que vemos hoje, ainda mais em época de eleições, com políticos prometendo tudo o que a população quer ouvir, é recorrente na história do Brasil. A luta para chegar ao governo é ferrenha, mas parece que o amor empregado pelos homens que decidem os rumos do país não é pelo trabalho da administração em si, mas sim pelo poder que a eles são conferidos. A partir desta prerrogativa, Barreto traça um perfil impiedoso de Floriano Peixoto, presidente à época. Preguiçoso e vulgar, tirano e indolente, o marechal fora desenhado como a imagem histórica do “bom” governante.

A desilusão da população com os políticos já vêm daquela época. Policarpo, que usa todos seus esforços para ajudar a República, vê que nada adianta suar, trabalhar, ou morrer pela pátria. E é esta a sensação que paira sobre o país até hoje (principalmente hoje). A cada novo escândalo, a cada nova CPI instaurada e a cada final de processo sem que os culpados sejam punidos, nos perguntamos: de novo? Até quando o país ficará à mercê destes tipos que vêm no comando da nação há tanto tempo? Quaresma fez esta pergunta há um século e ainda não obteve resposta.

O final amargo e pessimista contrasta com o último parágrafo, onde a afilhada de Policarpo confere as inúmeras mudanças que ocorreram no país desde os seus primórdios, mostrando que o progresso não é mera utopia e que dias melhores virão. Afinal, mudanças são inerentes no processo de desenvolvimento de uma nação. Nós, brasileiros, ainda esperamos esta mudança maior.

domingo, 14 de setembro de 2008

Exclusivo!! Resenha da Controvérsia!! (hahaha)



Atenção!!

Tenho em primeira mão a resenha que sairá na Controvérsia de outubro (hahaha).
Aproveitem...

Existem filmes que marcam e mudam um gênero. Wall-E (EUA, 2008) não representa apenas um novo rumo na estética das animações, mas também mostra que obras “feitas para crianças” podem encantar e emocionar como poucas “feitas para adultos” conseguem.

A Pixar, extensão da Disney para a produção de longas animados, mostra que é o estúdio que mais ama o que faz. Toy Story, Monstros S.A., Procurando Nemo e outros estão aí para comprovar. Wall-E, entretanto, é um passo além de todo o sucesso e crítica alcançado pelos filmes anteriores da produtora. É um triunfo cinematográfico, uma experiência fílmica única. Méritos totais para o diretor Andrew Stanton.

A história é uma crítica aberta a toda megalomania humana. Estamos em 2100 aproximadamente. A Terra se tornou inabitável graças a todo o lixo acumulado por décadas a fio. Como a vida no planeta se tornou impossível, os seres humanos partiram para uma viagem de cinco anos pelo espaço em naves-colônias gigantescas, deixando milhões de robôs com a missão de limpar o planeta. Após 700 anos, o lixo ainda está todo lá, e apenas um robô continua fazendo seu trabalho: o enferrujado Wall-E.

O personagem-título é um capítulo à parte. Wall-E tem como única companhia uma barata de estimação. É devotado fiel de seu trabalho, mesmo com montanhas descomunais de lixo para compactar; mora em um caminhão-baú onde coleciona inúmeros apetrechos e bugigangas humanas que encontra durante sua jornada de trabalho (lâmpadas, garfos, isqueiros) e sempre assiste, quando chega em casa, uma velha fita VHS do musical Alô, Dolly! (filme de 1969).

A apresentação da história ao público é um dos acertos estéticos mais criativos e engenhosos do cinema nos últimos tempos: a primeira metade do filme não apresenta diálogos. E é aqui que a construção do personagem mostra-se impecável. Wall-E é um palhaço mudo, como Buster Keaton ou Charles Chaplin. Ele não precisa de palavras (aliás, o único som que emite é o próprio nome) para cativar o público. A forma metódica que leva a vida (compactar lixo-casa) faz com que o pequeno robô, de alguma forma, crie um sentimento de solidão, de vazio não preenchido.

Sua vida sofre uma reviravolta quando Eva (note a óbvia referência bíblica), uma robô-sonda que busca encontrar vestígios de vida em desenvolvimento, desembarca no planeta. Tem-se início, após uma acidental descoberta do protagonista, uma aventura romântica entre os dois pequenos robôs para que a vida se torne viável mais uma vez na Terra.

Liderados por Roger Deakins, um dos fotógrafos mais respeitados do cinema americano, a equipe de animação constrói um visual impressionante, com dois ambientes diferentes ao longo do filme, ambos extremamente verossímeis. Primeiro, o planeta devastado pelo lixo é mostrado em tons de terra e ferrugem, dando a impressão sufocante de desolação necessária. Depois, dentro da nave-colônia, têm-se um ambiente limpo e iluminado.

Stanton ousou e acertou. Fez uma crítica feroz à displicência humana com a própria vida e com o planeta e não teve medo de nos mostrar através de caricaturas (todos os que vivem nas naves-colônias são obesos mórbidos e não fazem absolutamente nada sem que robôs os ajudem). E, o mais genial, mostrou dois já célebres personagens, mais humanos do que os próprios seres humanos. Wall-E nos mostra que, apesar de tudo, ainda é possível acreditar na vida e no amor.

sábado, 13 de setembro de 2008

Pois louco é quem me diz...

Para estrear o blog, postarei uma frase que, apesar de ser extremamente irônica, mostra a realidade do mundo...


"Todo homem sensato aceita o mundo como ele é. Só os loucos tentam reformar o mundo. Portanto, todo progresso depende dos loucos."

George Bernard Shaw, escritor irlandês