quarta-feira, 29 de julho de 2009

Daunbailó - Filmaço de Jim Jarmusch


Daunbailó (Down By Law, 1986, EUA/Alemanha) é um filme que conquista o espectador de forma arrebatadora. Espera-se algo bom, até pelo status cult adquirido pelo longa desde o seu lançamento. Mas o que o diretor Jim Jarmusch nos oferece é muito maior. De situações rotineiras, em que o tédio e a desilusão parecem consumir a todos, é retirada uma espécie de humor sutil, de bom gosto, a partir de personagens cativantes, verdadeiros anti-heróis de uma jornada quixotesca.

Revelar detalhes maiores da trama com certeza tiraria a graça de ser surpreendido a cada rumo tomado pelos protagonistas. Basta saber que temos três desajeitados cujas trajetórias se encontram na cadeia. Zack (o músico Tom Waits) acaba atrás das grades graças a um mal entendido. Jack (John Lurie) cai em uma armação da polícia e também é preso sem ter feito nada. Lá, ganham a companhia de um italiano chamado Roberto (Roberto Begnini), que se torna o elo entre os dois americanos birrentos e de saco cheio um do outro. Personalidades distintas que criam, na marra, uma amizade improvável.

A grande pérola da história é, sem dúvida, os três prisioneiros. Homens a margem da sociedade, que perambulam por aí sem fazer nada (ou fazendo o mínimo para sobreviver) se transformam em personagens muito bem construídos, cada um com sua característica própria. Zack e Jack, sempre brigando entre si e entediados com a vida, representam o contraponto do falante Roberto, que fala inglês aos trancos e usa um caderninho para lembrar algumas frases mais difíceis. Em outro ator, o papel provavelmente não ficaria tão rico. Para Roberto Begnini, cai como uma luva. Ele pega os clichês clássicos dos "carcamanos" (fala rápida e alta, gestos largos) e cria um homem ingênuo, mas sempre confiante, que acredita na amizade dos companheiros de cela como uma forma de encarar as dificuldades da vida. Aqui, o ator está melhor que na premiada interpretação de A Vida É Bela.


O roteiro escrito pelo próprio Jim Jarmusch costura muito bem as contradições dos trambiqueiros. A convivência entre eles, que vai desde tentativa de fuga até passeio de barco em um rio, sempre é pontuada por momentos de humor genuíno, nascido de situações naturais. As próprias atitudes dos personagens tornam tudo mais hilário e absurdo; não há aquela forçada de barra para uma cena se tornar engraçada, como em inúmeros filmes de "comédia" atuais, que pecam por esquecer a inteligência em casa. A certeza da qualidade cômica de Daunbailó pode ser conferida em várias cenas envolvendo Roberto (lembrem-se da frase I scream, you scream, we all scream for ice cream e vão saber do que falo...).

É claro que não se faz um filme apenas com uma boa história. A narrativa deve ter algo de diferente para criar o clima necessário. Jarmusch não apenas subverte o sentido de comédia, como aponta um caminho muito interessante. Ao invés de tudo ocorrer rápido, de verborragia burra, igual a todo filme de humor, ele prefere, em muitos momentos, deixar a câmera parada, como se a mesma fizesse parte do ambiente, com o único intuito de capturar as grandes atuações que ocorrem na frente dela. Parece até que tudo foi improvisado na hora da filmagem, tamanha a espontaneidade que o efeito gera. Combinado com o preto e branco de Robbie Müller, o mesmo da belíssima fotografia de Paris, Texas, do diretor alemão Wim Wenders, algumas imagens doem na alma de tão lindas. Os contrastes entre luz e sombra criam o tom de fábula e sonho da inusitada aventura.

Além dos aspectos técnicos, a trilha sonora também se destaca. Feita pelo próprio Tom Waits, abusa da variedade, como free jazz, blues, rock e até ritmos latinos, alternando entre o calmo e o nervoso. Os dois pontos altos são o tema de abertura, Jockey Full of Bourbon, uma espécie de mambo, e Tango 'Till They're Sore, que fecha os créditos finais, com muita ironia, de forma perfeita.


Com uma história deliciosa e personagens apaixonantes, Daunbailó é uma das melhores coisas que o cinema independente americano já fez. O nome em português (que ao imitar a pronuncia em inglês parece ser bobo, mas é muito original) confirma ainda mais o espírito leve e irreverente do longa. Se repararmos bem, a mensagem do filme é mostrar a união como única forma de superar as adversidades, independente a quem nos unimos. O sr. Jarmusch achou uma excelente forma de passa lição de moral com originalidade.

Um comentário:

Aline Rodrigues disse...

Muito boa resenha, como na maioria das vezes o filme é contado de uma forma clara e descontraída.
E pelo que pode-se observar ,através do post, o filme além de ser divertido e surpreendente ainda passa uma lição de moral ao seu fim de forma clara, que mobiliza o espectador(o que não tem ocorrido com frequência no cinema).
Sem dúvida é mais uma ótima dica de cinema.