sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Três Homens em Conflito - O maior western de todos os tempos?


"Quando for atirar, atire, não fale". Esta pérola do humor negro, proferida pelo personagem de Eli Wallach, define o lema do velho oeste americano. Aquele que não brinca em serviço tem mais chances de sobreviver nesta terra de ninguém. "Três Homens em Conflito" (Il buono, Il brutto, Il cattivo, 1966, Itália/Espanha/EUA) pega o mito do colonizador e o joga em um verdadeiro espetáculo sonoro e imagético de ação, violência, drama e comédia – é um clássico muito grande para ser definido como mero faroeste e entraria fácil na lista dos filmes "maiores que a vida", como bem define o crítico americano Roger Ebert. Aliás, aqui só não entra romance. Afinal, Clint Eastwood, Lee Van Cleef e o próprio Wallach são duros e rudes demais para se apaixonar...

O diretor Sergio Leone foi o maior ícone de um subgênero do western denominado spaghetti, cujo auge ocorreu nos anos 60 e 70. O nome tem explicação: normalmente, eram italianos que os rodavam, com o mínimo de orçamento, usando atores americanos iniciantes ou decadentes. As histórias, que apresentavam "mocinhos" solitários e mal encarados em busca de tesouros ou quantias perdidas em dólares, aliadas à violência estilizada, fizeram sucesso na Europa e, de forma tardia, nos EUA. Coube a Leone elevar os spaghetti, que eram mal vistos pelos puristas adoradores de faroestes, a um patamar artístico inigualável dentro do gênero.

"Três Homens em Conflito"
é o elo final da chamada "trilogia dos dólares", composta ainda por "Por um Punhado de Dólares" (1964) e "Por Uns Dólares a Mais" (1965), todos protagonizados por Clint Eastwood – vale lembrar que somente após estes filmes, interpretando o Homem Sem Nome, Clint se tornou um astro de Hollywood. Sergio Leone ainda faria outros westerns essenciais, como "Era Uma Vez no Oeste", que também é lembrado como um dos melhores do gênero, e "Quando Explode a Vingança", antes de falecer, aos 60 anos, em 1989.


Os créditos iniciais de "Três Homens em Conflito" seguem o mesmo esquema que se tornou marca registrada dos spaghetti: uma agitada animação com cavalos, canhões, rostos dos atores principais e nomes da equipe de produção. Porém, é o estilo lento e operístico de Leone que dita o ritmo das quase três horas de produção. Somos apresentados, sem pressa, aos três homens do título original em italiano. O Bom é o Homem Sem Nome, apelidado de Blondie, vivido por Clint Eastwood. Sisudo, de poucas palavras, possui uma mira perfeita e prefere andar sozinho pelos diferentes condados do Texas. O Mau é Sentenza, conhecido como Angel Eyes, interpretado por Lee Van Cleef, mercenário sem sentimentos que faz tudo a seu alcance para finalizar um trabalho iniciado. O Feio é Tuco Ramirez, papel de Eli Wallach, trambiqueiro procurado em mais de 12 cidades.

É interessante ver como estas alcunhas não correspondem totalmente à realidade. Leone brinca com o título do filme. Em seu velho oeste, não existe mais o maniqueísmo de herói e vilão. O caráter se molda com o desenrolar dos fatos. Blondie e Tuco aplicam golpes em uma parceria um tanto tumultuada: o primeiro entrega o segundo às autoridades e na hora em que este vai ser enforcado, atira na corda, ficando com a recompensa que é dividida entre os dois. Brigas mais tarde, Blondie abandona Tuco no deserto, que depois faz o mesmo com o companheiro. O estereótipo de cada personagem, que o espectador espera ser seguido por todo o filme, é desconstruído conforme o dinheiro entra em jogo. Angel Eyes é o que mais faz jus ao apelido, com seu serviço de assassino por encomenda. Finalmente, os destinos dos três homens se unem no momento da descoberta de 200 mil dólares enterrados em um cemitério. Cada um inicia sua busca pelo tesouro em plena Guerra Civil Americana, passando no centro do fogo cruzado entre Confederados e exército da União.

Os encontros e desencontros dos protagonistas são conduzidos de forma reflexiva, mas nunca lenta ou arrastada demais. Somos presenteados com longas tomadas panorâmicas e extensos closes, o que gera um perfeito contraponto entre o coletivo e o íntimo. Ao mesmo tempo em que a paisagem mítica do oeste é mostrada de forma encantadora, vemos os poros, as cicatrizes, a barba malfeita dos rostos duros queimados pelo sol, quando a câmera se aproxima dos atores. Outra marca de Sergio Leone são as diversas sequências em que temos ausência de diálogos. Imagens falam mais do que palavras, por isso o uso de frases curtas, mas impactantes, como as tiradas de humor, que são sempre as mais lembradas – um belo exemplo é a que abre este texto. "Três Homens" é um dos poucos filmes em que a imagem, o som e até o silêncio se casam de forma irretocável.


Trilha sonora, aliás, que merece destaque especial. A parceria entre Leone e o maestro/compositor italiano Ennio Morricone, um dos mais respeitados da história do cinema, chega ao ápice. A música de abertura, que emula sons de coiotes, aparece em todo o longa, com variações geniais de ritmo e instrumentos – não tem como negar o caráter cômico quando ela é apresentada de forma mais lenta. Porém, a grande peça do filme é "Ecstasy of Gold". Em apenas uma cena, o tema entra para angariar um respeitável posto na lista de momentos inesquecíveis da Sétima Arte. Quando Tuco encontra o cemitério no qual o dinheiro está escondido, a câmera e a música acompanham o crescente estado de euforia do personagem. Após tanto esforço, a chegada ao local ganha contornos épicos, graças à grandiosidade do trabalho de Morricone. Emocionante é pouco para definir a sequência.

Assim como tensão é a palavra errada para resumir o truelo final entre o Bom, o Mau e o Feio. Leone não é mestre apenas em mostrar a violência pura e simples: a "pré-violência", o que ocorre antes do revólver disparar, também é essencial. E o jogo de imagens antes de definir com quem ficará a fortuna mostra isso. Closes frenéticos nos olhos, rostos, coldres e mãos fazem o espectador grudar na poltrona. O tempo é alongado ao máximo e faz o suspense se tornar palpável - quase dá para sentir o suor frio dos personagens.

Em suma, "Três Homens em Conflito" é obrigatório para qualquer pessoa que tenha o mínimo interesse em cinema. É a prova de que diferentes gêneros podem coexistir em um mesmo filme, com um resultado final brilhante. Espetáculo completo, que transforma o western, gênero muitas vezes encarado como algo menor, em arte pura.

Um comentário:

Aline Rodrigues disse...

Só pela descrição, esse filme realmente mescla muitos gêneros,o que é muito raro de se ver, e o que mostra os poderes do cinema de cativar à cada cena.
Bela resenha.