quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Onde os Fracos Não Têm Vez - Clássico contemporâneo dos irmãos Coen


Onde os Fracos Não Têm Vez (No Country For Old Men, 2007, EUA) é um filme destoante na carreira de Joel e Ethan Coen. Não pelo sentido depreciativo do termo, mas sim, por representar um tipo de cinema que os irmãos, em nenhum momento anterior, tinham apresentado ao público. No lugar das comédias de fino humor negro, repletas de situações oníricas ou absurdas, apareceu uma obra cerebral, que apresenta dura reflexão sobre a transformação, para pior, dos valores da sociedade americana.

O duelo entre o velho e o novo, mais precisamente as concepções morais de gerações diferentes, é o principal conflito existente no livro do experiente escritor americano Cormac McCarthy, que foi transposto em sua totalidade para as telas, através de adaptação dos próprios Coen. A história pode enganar caso se preste atenção apenas na sangrenta perseguição que conduz o filme: há muito mais por trás dos fatos mostrados.



Llewelyn Moss (Josh Brolin) é um soldador do oeste americano que encontra no deserto, em meio a uma chacina (resultado de uma negociação de drogas que não deu certo), uma maleta com 2 milhões de dólares. A partir deste momento, o assassino Anton Chigurh (Javier Bardem) é contratado para caçar Moss e recuperar o dinheiro. O xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones) acompanha os acontecimentos e, apesar de aparecer pouco em relação aos outros dois personagens, possui fundamental importância na narrativa.

Sobriedade é a palavra-chave do longa. A começar pela fotografia de Roger Deakins, que valoriza espaços amplos e tomadas abertas e gera uma forte sensação de isolamento em meio a mundo violento, e passa pela decisão de não usar qualquer tipo de trilha sonora.
Onde os Fracos Não Têm Vez é um dos raros filmes a descartar o uso de música. Porém, a forma que os Coen escolheram para contar a história dispensa técnicas supérfluas. Tudo é reduzido ao mínimo, inclusive os diálogos, e o efeito é excelente.


Joel e Ethan sempre foram críticos da sociedade. Toda a filmografia dos irmãos sabe apontar e ridicularizar as idiossincrasias humanas. Por mais exagerado, e este era o objetivo principal, havia sempre um alívio cômico para rirmos dos comportamentos esdrúxulos de seus personagens. Neste filme, não existe nada disso. Pelo contrário. Assassinatos absurdos, falta de ética, sensação de impotência e pessimismo tomam conta da atmosfera pesada da obra. A violência domina os atos de todos os indivíduos e não existe um alento que possa mostrar um novo caminho
(detalhe importante: o longa é ambientado em 1980 e, ainda assim, parece que vemos uma radiografia do mundo atual).

A "filosofia" do filme encontra ressonância direta nos protagonistas. Anton Chigurh, por mais maniqueísta que possa parecer seu personagem, possui uma moral complexa e segue uma linha de conduta imposta a si mesmo: seu trabalho de assassino de aluguel é a única coisa importante; tudo que se torna obstáculo para a realização de uma tarefa deve ser eliminado. Pela dificuldade para não cair no caricato, o espanhol Javier Bardem merece todos os méritos pela grande caracterização, vencedora de um merecido Oscar de coadjuvante. Seu Chigurh parece algo inumano, uma máquina assustadora, sem emoções, metódica. É o "mal absoluto", personificado em alguém com um corte de cabelo ridículo, voz gutural e que mata pessoas com uma arma para abater gados. Não é a toa o desconforto no espectador quando este homem aparece na tela.
Do lado oposto, Llewelyn Moss representa um "homem comum", no meio de eventos que não consegue reverter.


Contudo, é Ed Tom Bell o principal elemento de ligação entre o tom pessimista da narrativa e as imagens cruas e realistas. O filme abre com um monólogo do personagem, que relembra uma época na qual xerifes nem precisavam usar armas.
A vida perde sentido e valor cada vez mais rápido: "você não pode parar o que está vindo", diz um policial aposentado, fazendo alusão à própria violência, mas também, à decadência do entendimento entre os homens. Esta espécie de lamento dos novos "valores" (o título original em inglês, Onde os velhos não têm vez, faz muito mais sentido) fica claro na última cena, onde Ed Tom narra um sonho com seu falecido pai, também xerife.

Os Coen acertaram em tudo aqui. Desde criar um "anti-clímax", ao não mostrar o desfecho de Llewelyn Moss, até o simbólico final. Onde os Fracos Não Têm Vez ganhou o Oscar de melhor filme em 2008. Mesmo se não ganhasse nenhum prêmio, nada tiraria seu status de clássico contemporâneo e uma posição na lista das obras mais importantes da década.


"And in the dream I knew that he was goin' on ahead and he was fixin' to make a fire somewhere out there in all that dark and all that cold, and I knew that whenever I got there he would be there. And then I woke up."
Ed Tom Bell

Cotação: 5/5

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Thiago Borges

3 comentários:

Aline Rodrigues disse...

SEm dúvida uma grande descrição de uma grande obra.

Unknown disse...

parbéns pelo site primo,
você poderia postar sobre o cinema nacional que está com bons lançamentos.

abrsss

Pedro Henrique Gomes disse...

Obra-prima. Um dos melhores filmes de dois dos melhores diretores em atividade no cinema.