quarta-feira, 22 de julho de 2009

Churros na Madrugada

Hoje, teremos uma matéria que fiz em junho para um trabalho da faculdade. Apesar de ser um texto grande, vale a pena lê-lo, pois mostra algumas curiosidades sobre um local bastante singular desta excelente cidade que é São Paulo. Bom divertimento!


Famosa casa que vendia o prato espanhol era símbolo nostálgico da Mooca

"Seu" Antonio está doente. O dono do Churros da Mooca, um dos poucos lugares que ainda guardavam o lado romântico paulistano, teve que fechar o estabelecimento em agosto de 2008, devido a uma pneumonia grave. As histórias da churraria de 50 anos, contudo, ainda permanecem como um marco da Mooca e de uma época que não volta mais.

O pequeno e apertado espaço (a ponto de ficar lotado com menos de quinze pessoas no local) se localiza na Rua Ana Néri, número 282, próximo ao Centro. Antonio Garcia Lopes, 78 anos, herdou o local que pertencia à família do sogro, descendente de espanhol que já vendia iguarias de seu país. Brasileiro nato, "seu" Antonio, ou Toninho, como é carinhosamente chamado pelos amigos da região, continuou o comércio de doces e pães.

O estabelecimento, conhecido pelo apelido "Churros da Mooca", vide que nunca teve um nome oficial, abria suas portas bem cedo para vender café da manha aos trabalhadores do Centro Técnico Operacional do Banco Itaú. Pastéis, coxinhas e rosquinhas podiam ser consumidas até por volta de 11 horas da manhã, além, é claro, do churros em formato de roda.

Em 1984, ocorreu uma grande mudança na vida de "seu" Antonio: sua esposa, a pessoa que mais o ajudava na preparação dos quitutes, faleceu. Ele ainda conseguiu manter sozinho, por algum tempo, a oferta de diferentes alimentos. Porém, ao perceber o enorme sucesso que o churro fazia, fez mudanças significativas, que ajudaram a criar um aspecto místico em torno do local. Ao trabalhar apenas em finais de semana, estender o horário de funcionamento pelas madrugadas e se dedicar exclusivamente à venda do principal produto da casa, o Churros da Mooca conseguiu atrair ainda mais público e se fixar como ponto de visita do bairro italiano.

Apesar do aspecto simples que possuía (apenas um balcão, um tacho de óleo para fritar e os equipamentos para fazer a massa ilustravam o ambiente), a churraria tinha variados tipos de freqüentadores. Pessoas saídas de luxuosos bailes da terceira idade, noivos que acabavam de casar, jovens que voltavam para casa após festas e baladas. "Isso dava um ar luxuoso e aconchegante ao ambiente, o que chamava a atenção dos fregueses", afirma Débora Sato, 42 anos, nora de "seu" Antonio.

Com a popularidade que marcou os últimos anos da casa, os dias mais movimentados apresentavam filas de até 1 hora e meia. "Era difícil chegar e não ter ninguém na espera", diz Débora. No Dia das Mães, por exemplo, o churro se tornava presente disputado. "Era loucura. E ainda, domingo sempre foi o dia de maior venda", confirma.

O aspecto familiar do estabelecimento é um dos fatores importantes para entender o porquê do sucesso. Pessoas que eram jovens quando "seu" Antonio começou o negócio traziam, anos mais tarde, seus filhos e netos. Famílias se deslocavam de outros bairros para apreciar o prato. O local se tornou uma espécie de "ponto de encontro de gerações". "A Mooca contribui para este sentimento de comunidade, que é muito forte aqui", opina Débora.

Pelo horário de funcionamento, baderneiros e bêbados também eram encontrados, mas em menor escala. O relato de acontecimentos graves é raro, até pelo comportamento sereno do dono. "O Toninho era calmo e controlado", relembra João Bezerra, 53 anos, dono de um bar próximo ao local. Só perdia a paciência quando alguém pedia recheio no churro. "Você quer pão doce? Isso não é churro!", falava, calmamente, "seu" Antonio ao freguês. A casa oferecia, no máximo, açúcar e canela.

O quitute vendido em carros por diversas ruas da cidade, com chocolate, doce de leite e granulado, não pode ser considerado o prato típico da Espanha. "Éramos o único lugar de São Paulo que vendia o verdadeiro churro espanhol", afirma Débora. Alguns estabelecimentos em shoppings centers declaram comercializar este produto, mas nenhum segue a receita que é guardada a sete chaves pela família. Há até um senhor no Tatuapé que se passa pelo "seu" Antonio, mas é claro que a cópia não tem a tradição e o sabor do original.

Como nunca teve qualquer tipo de publicidade própria, o Churros da Mooca mostra a importância do "boca a boca". Escondido atrás de uma banca de jornal, em uma rua com apenas razoável movimento de carros, tornou-se ponto importante das noites paulistanas graças aos próprios clientes. "Alguém levava o amigo, que depois indicava para mais pessoas, e assim por diante...", declara Débora, ao lembrar que nem mesmo placa com nome o local possuía.



Atualmente, o local é um despachante

Além de conquistar a confiança do público durante 50 anos, o número de histórias e anedotas é proporcional à sua fama. Dizem que o cubículo em que Toninho vendia seus alimentos foi pago com um burro. Outra lenda, fala que garotos roubavam garrafas de leite, que eram deixadas nas portas das casas da Avenida Paes de Barros, para tomar de manhã junto com o churro.

Para explicar todas estas curiosidades, a casa foi tema de inúmeras reportagens em veículos impressos e TV, ao longo dos anos. O chef de cozinha francês Olivier Anquier fez questão de assumir a receita como o melhor churro que já comeu. "Sempre teve bastante gente atrás do Toninho. E mesmo depois que o lugar fechou, algumas pessoas ainda vêm procurá-lo", diz Ivanildo Lopes, 57 anos, morador do local há mais de uma década. Hoje, por ter a saúde mais fraca do que em outros tempos e não se encontrar mais em São Paulo, "seu" Antonio evita dar entrevistas.

Após a doença, seus filhos decidiram afastá-lo do trabalho. E, infelizmente, não há previsão de que a casa volte a funcionar. No lugar, agora é encontrado um despachante. Quanto a Toninho, mora em São Bernardo do Campo e exercita seu hobby favorito. "Ele sempre gostou de pescar. Agora está perto de um rio e pode aproveitar", afirma Sakari Takeda, 88 anos, amigo de longa data.

O Churros da Mooca representava uma espécie de "mundo à parte", cheio de curiosidades e excentricidades. Fará falta ao imaginário afetivo da Mooca e da cidade um local onde valores de comunidade e família eram cultivados.

7 comentários:

Aline Rodrigues disse...

Excelente texto, é uma pena que um pequeno comércio com uma grande história e um valoroso conhecimento, tenha fechado as portas.

Anônimo disse...

Excelente texto mesmo! Vc captou muito bem a essencia do ser do senhor Tonimho.
Parabéns!!
Rita

Orlando ( Tioliba ) disse...

Lugar simples e sem frescura, mas o churro era delicioso, pena que fechou, saudades das madrugas em que eu ia lá comer um churro.

Anônimo disse...

Sei onde ele mora

Ponto de Mutação disse...

A família poderia continuar o negócio, afinal eles têm a receita do maravilhoso churro do Seu Toninho! Ou então fazer uma parceria. Eu me associaria fácil!

Diego Garcia disse...

Toninho era meu avô, temos a receita porém decidimos deixar o legado do churros com ele, pois sabemos que o churros era muito gosto porém o melhor era ele atrás daquele balcão com todo o seu amor e simpátia.

Diego Garcia disse...

Toninho era meu avô, temos a receita porém decidimos deixar o legado do churros com ele, pois sabemos que o churros era muito gosto porém o melhor era ele atrás daquele balcão com todo o seu amor e simpátia.